Dark - 3ª temporada - Crítica
O tempo e o humano na luta pelo controle
Nota: 4/5.
| (Foto: Divulgação/Netflix) |
É um desafio saber por onde começar a falar sobre Dark, ou por onde terminar, já que nessa série, não há muita diferença entre os conceitos de início e fim. Tudo é influenciado por algum acontecimento que, por sua vez, também só acontece porque aquele primeiro fato ocorreu, independente de passado, presente e futuro. Não há escapatória.
Essa é a premissa dessa série alemã que estreou em 2017 na Netflix e chegou à sua terceira e última temporada agora. Mas será que é assim mesmo que as coisas se desenrolam e sempre irão? Depois de duas temporadas cheias de questionamentos, o terceiro ano da série tem o papel de sanar as dúvidas e resolver os mistérios propostos até então. No entanto, para chegar às respostas, é preciso ampliar as perguntas.
Após sermos introduzidos à ideia de que, além de viagem no tempo, o quebra-cabeça também envolve pelo menos um outro mundo, é a vez de conhecermos essa nova realidade. É quase a mesma Winden com a qual estamos habituados, com os mesmos personagens, os mesmos segredos e as mesmas intrigas, com reencenações de acontecimentos e diálogos da primeira temporada, mas sempre com um lembrete de que aqueles não são os personagens que conhecemos, através de uma refinada caracterização espelhada dentro daquele mundo que, além disso, possui uma atmosfera sempre esfumaçada, quase como um sonho, em que tudo poderia ser diferente.
No entanto, a principal diferença entre as realidades é a inexistência de um Jonas (Louis Hofmann, na versão jovem do personagem), figura tão crucial para a história. Ao invés disso, vemos Martha (Lisa Vicari) no papel de peça central daquele mundo, mas morta no outro. É aí que temos noção de quanto o nó invisível que une os dois, outros personagens e até os mundos, é mais forte e complexo do que nós e até os próprios imaginavam. É fascinante perceber como um universo influencia o outro, havendo uma necessidade mútua para a coexistência de ambos, além de uma batalha travada a base de movimentos dignos de uma partida de xadrez, a favor da ordem.
| (Foto: Divulgação/Netflix) |
Sendo assim, chegamos a Adam (Dietrich Hollinderbäumer) e Eva (Barbara Nüsseüsse), as representações mais velhas de Jonas e Martha. Um quer destruir e o outro quer conservar, não importando os custos para tal. Mas por trás de cada decisão, existem desejos válidos e íntimos, e a construção para que ambos se tornem a figura que irão ser no futuro é sentida pelo espectador, que finalmente acompanha e entende o passo a passo por completo dos traumas que permeiam a vida dos dois. Não existe um grande vilão na história. Todos estão agindo de acordo com os seus interesses, mesmo que seja algo de difícil compreensão para suas versões mais jovens e esperançosas, menos calejadas pelo tempo.
Isso não se aplica somente às peças centrais desse tabuleiro, mas aos peões também. Todos os personagens são humanos, com qualidades e defeitos na mesma medida, precisando lidar com os próprios demônios, algo sintetizado pela terceira temporada, que, em seu primeiro episódio, começa com a frase do filósofo alemão Arthur Schopenhauer: “O homem é livre para fazer o que quer, mas não para querer o que quer”. É esse desejo que rege as ações de cada personagem na trama, fazendo com que eles executem, mesmo que não intencionalmente, suas funções para contribuir para que o ciclo vicioso continue, o que é potencializado pelas circunstâncias em que cada um se encontra.
| (Foto: Divulgação/Netflix) |
A temporada cobre o maior espaço temporal já visto na série. Os oito episódios são compostos por cenas que contemplam acontecimentos que vão desde 1822 até 2053. A partir disso, acompanhamos a história de Winden ser desenvolvida, e temos uma visão bem ampla do quanto a cidade é estruturada à base de tragédias e dores, elementos intrínsecos que afetam todos os moradores, dando sentido às diversas falas que comparam o lugar a um verdadeiro câncer. Além disso, a série quebra a sua regra de mostrar apenas eventos que acontecem em um intervalo de 33 anos, presente nas duas primeiras temporadas, para preencher as lacunas abertas anteriormente, dando as respostas que tanto queríamos.
Com isso, há inegavelmente um sentimento de completude quando todas as peças finalmente se encaixam nesse emaranhado de informações e árvores genealógicas complexas, com a manipulação estando presente em cada ação, desde as maiores até as mínimas.
Os conceitos de causa e consequência são elevados, pois não há limites impostos pelas linhas temporais e mundos distintos. Porém, à medida que o quebra-cabeça vai se resolvendo, é impossível nos desvencilharmos da noção de que todas as vidas estão conectadas, ao mesmo passo em que o destino é um só e ele já está traçado, dando um aspecto pessimista para boa parte da temporada.
Nos minutos finais do último episódio, presenciamos uma conclusão agridoce, ao mesmo tempo que tocante, que faz sentido para uma jornada de amor, perda e sacrifício, na busca incansável pela origem de todo o sofrimento.
No final das contas, o fim realmente está no começo, mas não da maneira esperada, sendo também importante lembrar do que se encontra entre um e outro. O que temos é uma trama excepcional, bem amarrada e concisa, fruto de um bom planejamento por parte dos criadores, Baran bo Odar e Jantje Friese. É assim que Dark certamente se consolida como uma das melhores produções originais da Netflix e dos últimos anos.
Trailer legendado:
Onde ver? Netflix.
Por Augusto Ferreira
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