Bong Joon-Ho, das telonas sul-coreanas ao reinado no Oscar

(Foto: Divulgação/Reuters)

“Quando vocês superarem as barreiras de filmes com legendas, conhecerão muitos filmes incríveis. - Todos nós usamos apenas uma linguagem: o cinema.”
Bong Joon-Ho.

Na noite do dia 09 de fevereiro deste ano, algo inédito aconteceu. O sul-coreano 'Parasita' se tornou o primeiro filme falado em língua não-inglesa a receber o Oscar de Melhor Filme, além dos prêmios de Melhor Filme Internacional, Melhor Roteiro Original e Melhor Diretor. 

O grande responsável por tamanha façanha é Bong Joon-Ho, diretor, produtor e um dos roteiristas do longa. Em discurso após receber os prêmios, a mente criativa elogiou um de seus competidores mais notáveis: “Quando eu era jovem e começando no cinema, havia uma frase que ficou marcada no fundo do meu coração: ‘o mais pessoal é o mais criativo’. É uma citação de nosso grande Martin Scorsese”, declarou Joon-Ho.

Atitudes como esta são comuns em Joon-Ho, a humildade é um dos principais trunfos para o seu sucesso. Segundo Roberto Aylmer, médico, PhD e professor internacional da Fundação Dom Cabral, em entrevista concedida ao 'EXAME', o papel de diretor numa produção cinematográfica é de uma liderança complexa, que precisa encabeçar diversas frentes do processo.

Por a posição exigir muito de um olhar mais poético e visionário, muitos diretores acabam cedendo à vaidade e consequentemente se tornam sujeitos egocêntricos. Isto pode jogar por água baixo o poder de comando de um líder e gerar conflito com os talentos que ele precisa gerir, destruindo uma produção promissora.

“Bong Joon-Ho não age como uma estrela. Ele não estava naquele palco para ser aplaudido, mas por acreditar no seu filme. Ele é o tipo de liderança que joga para fazer seu melhor”, explica Aylmer.

No SAG Awards, premiação do sindicato de atores de Hollywood, os atores de Parasita surpreenderam a todos ao ganharem o prêmio máximo da noite, o de melhor elenco. Joon-Ho ficou na plateia aplaudindo o grupo, tirou fotos e vibrou muito, como todo fã orgulhoso.

“A equipe tem paixão por ele e você vê que ele cuidou bem de seu time. Ali não tem hierarquia ou superioridade, mas uma comunhão e celebração pelo resultado”, explica Aylmer.

Trajetória de Clássicos

Bong Joon-Ho é dono de uma filmografia extremamente sólida e memorável. De um monstro gigante que mantém humanos como hospedeiros, à uma família que se infiltra na alta sociedade em busca de sobrevivência. Confira abaixo os clássicos do genial cineasta sul-coreano:

Memórias de um Assassino (2003)

(Foto: Divulgação/CJ Entertainment)

Esse suspense tem como foco o desenrolar das investigações comandadas por dois detetives com personalidades muito diferentes, que precisam trabalhar juntos, com a ajuda de uma força policial totalmente despreparada, quando uma série de mulheres começam a aparecer mortas em uma cidade interiorana da Coréia do Sul. Todos os crimes apresentam características em comum, o que dá margem para as suspeitas de que haja somente um culpado.

O longa se baseia no caso real do primeiro assassino em série de que se tem registro no país, que cometeu os crimes na década de 80. No entanto, ele ainda não havia sido identificado quando o filme foi feito, o que permitiu ao diretor fazer o uso de diversas licenças poéticas.

Um exemplo disso é uma cena na qual um dos detetives olha diretamente para a câmera. Bong Joon-Ho fez isso com a intenção de o personagem encontrar os olhos do verdadeiro assassino, já que ele muito provavelmente assistiria ao filme em algum momento, sendo o mesmo sobre ele.

O Hospedeiro (2006)



(Foto: Divulgação/Chungeorahm Film)

Na beira do rio Han moram Hie-bong e sua família, donos de uma barraca de comida no parque. Quando o despejo de uma substância tóxica dá origem a uma criatura mutante que aterroriza a cidade, sua neta é levada como hospedeira e cabe a seu filho Kang-Du, que é um tanto imaturo, provar ser um pai responsável e salvar o dia.

Bong Joon-Ho cresceu assistindo a filmes estadunidenses na televisão e enxergava Alfred Hitchcock como seu mentor. Quando ‘O Hospedeiro’ foi comparado a obras clássicas de Steven Spielberg dos anos 1970, Joon-Ho entendeu isso como uma “honra tremenda”, considerando que ‘Louca Escapada’, ‘Tubarão’ e ‘Contatos Imediatos de Terceiro Grau’ foram pilares de sua educação cinematográfica. 

Além da comparação a Spielberg, Joon-Ho teve outro motivo para comemorar, Quentin Tarantino, diretor vencedor de dois Oscars de melhor roteiro, por ‘Pulp Fiction: Tempo de Violência’ e ‘Django Livre’, colocou o longa em seu top 20 de melhores filmes lançados entre 1992 e 2009.

Mother - A Busca Pela Verdade (2009)

(Foto: Divulgação/CJ Entertainment)

A relação de uma mãe e um filho é regada de compaixão e superproteção. O que o instinto materno não pode impactar na vida de um ser humano, não é mesmo? Quando um homem de 28 anos, ingênuo e infantil é acusado do assassinato de uma adolescente, cabe a sua mãe partir em busca do verdadeiro assassino, e assim provar a inocência do filho.

Encontrar a atriz Hye-ja Kim, que vive a mãe, foi a principal inspiração para Bong Joon-Ho concretizar o projeto do filme. O encaixe de Kim no papel foi tamanho, que Joon-Ho se encontrava com ela frequentemente durante o desenvolvimento do roteiro para garantir que ele se adequasse às suas habilidades. Isto se refletiu na química entre os dois durante as gravações, enquanto filmava a sequência de abertura da dança da mãe, Bong Joon-Ho dançou junto com Hye-ja Kim para fazê-la se sentir menos nervosa. 

Mother foi a primeira obra de Bong Joon-Ho a ser submetida como escolha oficial ao Oscar, como filme de língua estrangeira pela Coréia do Sul, em 2010. Apesar disto, o longa acabou não se qualificando entre os escolhidos para a disputa final.

Expresso do Amanhã (2013)

(Foto/Divulgação/Moho Film)

O primeiro filme do diretor feito em inglês é baseado na HQ francesa 'O Perfuraneve' e segue os últimos habitantes da Terra que, após um experimento mal sucedido para evitar o aquecimento global, está completamente congelada. Com isso, os sobreviventes vivem em um trem em constante movimento, onde há uma divisão entre classes sociais, com ricos vivendo luxuosamente na parte da frente, enquantos pobres habitam a miséria presente nos últimos vagões.

O lançamento do filme foi bastante conturbado devido a desentendimentos entre Bong Joon-Ho e o produtor Harvey Weinstein, que havia adquirido os direitos para a distribuição do longa. Weinstein queria uma versão com 25 minutos a menos, exigindo o descarte de todas as cenas consideradas por ele como desnecessárias. Uma delas consistia em um peixe sendo estripado como sinal de intimidação. Para manter a cena, Joon-Ho precisou mentir, afirmando que era uma homenagem para o pai, que era pescador, sendo que essa nunca foi a sua profissão.

Felizmente, em exibições-teste para o público, a versão do diretor recebeu avaliações muito mais altas, o que forçou Weinstein a ceder e permitir o lançamento do filme na forma exata como Bong Joon-Ho o havia idealizado.

Okja (2017)

(Foto: Divulgação/Netflix)

O filme segue a emocionante jornada de Mija, uma menina coreana que precisa resgatar a sua porca gigante de estimação, Okja, das mãos de uma poderosa empresa multinacional que anuncia querer colocá-la em um concurso para determinar qual é o melhor da espécie, mas que na verdade, pretende vender a carne do animais.

Após todo o estresse com o 'Expresso do Amanhã', Bong Joon-Ho usou este filme, entre muitas coisas, como uma espécie de indireta para toda o episódio, contando como um animal é levado da Coréia para os Estados Unidos com o intuito de ser fatiado em pedaços para ser consumido pelas massas.

Joon-Ho decidiu também que trabalharia apenas com produtoras que lhe permitissem total controle criativo sobre suas obras, e a única que aceitou foi a Netflix. Esse fato gerou inúmeras discussões, pois o filme concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2017, pertencendo a uma plataforma de streaming e não indo para o circuito comercial de cinemas, o que foi visto com maus olhos por aqueles que possuíam opiniões mais conservadoras em relação ao cinema.

Parasita (2019)

(Foto: Divulgação/Pandora Filmes)

O ápice da carreira de Bong Joon-Ho veio com essa mistura perfeita entre drama, comédia e suspense sobre uma família pobre e desempregada que, com a ajuda de planos muito bem arquitetados, aos poucos se infiltra na luxuosa mansão de uma família rica. No entanto, as mentiras e segredos não demoram a trazer consequências para todos os envolvidos.

Durante os créditos finais, é tocada uma canção escrita pelo diretor e cantada por Choi Woo-Shik, o ator que interpreta o jovem protagonista do filme. Nela, é especulado que levaria 564 anos até o personagem ter dinheiro suficiente para comprar a mansão, mas que ele continuaria a seguir sua vida. Segundo o próprio Bong Joon-Ho, “não é uma letra totalmente esperançosa, mas mesmo assim você não ficará tão pessimista em relação ao filme.”

O longa apresenta a quarta colaboração entre o diretor e o ator Song Kang-Ho, que atua como o pai do protagonista. Eles já haviam trabalhado juntos em 'Memórias de um Assassino', 'O Hospedeiro' e 'Expresso do Amanhã'. Joon-Ho chegou a dizer que caso o ator recusasse o papel, todo o projeto acabaria sendo cancelado, pois somente ele seria capaz de interpretar o personagem.

Este foi apenas o segundo filme do diretor a ser inscrito no Oscar e o primeiro a de fato concorrer, em 2020. No entanto, fez história ao ser indicado em seis categorias e se consagrar como o maior vencedor da noite, com a conquista de 4 estatuetas, derrotando o favoritismo que '1917', de Sam Mendes, havia adquirido durante toda a temporada de premiações.

Por Augusto Ferreira e Vinícius Galan

Comentários

  1. Excelente perfil de Bong Joon-Ho. Me incentivou a assistir a todos os seus filmes. Parabéns pela matéria Holofote.

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